Tributo em Pauta: Vale realizar Acordo de Não Persecução Penal em crimes tributários?

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Fruto do movimento mundial de expansão das vias de consenso no âmbito criminal, o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), acrescido recentemente ao nosso ordenamento pelo famoso pacote Anticrime, visa, sobretudo, desafogar as abarrotadas varas judiciais.

 

 Aplicável aos delitos cometidos sem emprego de violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, o Acordo celebrado entre o Ministério Público e o investigado e seu defensor, após homologação em juízo, evita o oferecimento de denúncia, e, por consequência, a apuração da responsabilidade em um processo criminal.

 

Para fazer jus ao “benefício”, além de confessar o fato, o investigado deve assumir o cumprimento de algumas condições impostas por lei, dentre elas, a prestação de serviços à comunidade e a reparação do dano.

 

Enquanto perdura o cumprimento das obrigações, ficam suspensas a persecução penal e a prescrição, e, ao final, decreta-se a extinção da punibilidade – a perda da pretensão punitiva do Estado, impossibilitando aplicação de qualquer sanção. 

 

Em tempo, a chamada “pretensão punitiva” surge com o cometimento da infração penal, já que o Estado tomou para si (em substituição à vingança privada) o direito de punir aquele que supostamente foi o autor da infração. Para tanto, e como é vedada condenação sem o devido processo legal, deve o Estado valer-se da “persecução penal”, que é o caminho trilhado desde a investigação (via de regra, por inquérito policial) até a decisão judicial final (em processo penal) objetivando apurar a autoria e a materialidade do crime. Assim, a celebração o ANPP obsta o prosseguimento da persecução final até o cumprimento de todas as exigências pactuadas, e, enfim, seja decretada a extinção da punibilidade. 

 

Não obstante, entendemos que o “benefício” não pode ser manejado pela defesa criminal como mera tábua de salvação. Sustentamos que a sua celebração deve sempre ser precedida de uma análise técnica responsável, que leve em consideração as teses defensivas aplicadas ao caso versus a vontade do investigado em “pagar o preço” do enfrentamento de um processo e o risco real de condenação. Caso a balança penda favoravelmente às teses defensivas, entendemos ser melhor enfrentar o desgaste do processo. No entanto, é claro, a vontade final do investigado é soberana, e deve prevalecer em toda ocasião.

 

No âmbito penal-tributário (aqui também inclusos os delitos previdenciários) a análise dessa ponderação toma contornos ainda mais delicados, sobretudo diante do requisito da “reparação do dano”.

 

Isto porque, por força do art. 9º, §2º da Lei 10.684/03, o pagamento integral do débito tributário, a qualquer tempo, já implicaria no maior benefício do ANPP: a extinção da punibilidade.

 

Assim, só se revelaria vantajoso ao contribuinte-investigado celebrar o ANPP quando pactuado o pagamento de um valor significativamente menor do que aquele cobrado pela Fazenda Pública (acrescido de multas e juros). Ora, qual sentido teria em se confessar um crime, pagar praticamente o valor integral cobrado pela Fazenda, prestar serviços à comunidade e ainda poder estar suscetível a uma outra exigência da acusação (28-A, V, do CPP)…quando, o pagamento integral, per se, já extinguiria a punibilidade?

 

A guisa exemplificativa, o exercício profissional já nos apresentou situações em que a soma da multa e dos juros aplicados pela Fazenda derivou em um montante de quase o quádruplo(!) do valor originário…uma inegável tentativa de confisco! Cobranças exorbitantes, que extrapolam e muito o limite do razoável, se mal fazem na seara Administrativa-Fiscal, pior ainda se afiguram quando exigidas pela Justiça Criminal, que não possui a cobrança de impostos entre as suas finalidades. 

 

Diante desse cenário, uma saída à defesa seria negociar com o Ministério Público o pagamento do valor do tributo (com a devida correção monetária do período), sem acréscimos de multas e juros de mora. Ou seja, pagar o valor do dano efetivamente causado (ou o mais próximo a esse possível), desconsiderado os escorchantes penduricalhos fazendários. Não podemos perder de vista que estamos diante de um acordo, não de um mero contrato de adesão, onde uma parte simplesmente anui com os termos impostos pela outra. O justo interesse de todos, acusação e contribuinte-investigado, deve ser atendido da melhor forma possível. 

 

Outrossim, importante frisar que o art. 28-a, I do CPP estabelece que a reparação do dano deve ser exigida, exceto na impossibilidade de fazê-lo (art. 28-a, I, CPP). Ou seja, a reparação do dano não é uma condição sem a qual não se pode realizar o Acordo, mas que deve ser exigível ao investigado sempre que possível. Ora, em assim sendo, perguntar carece: se a reparação pode até mesmo ser desconsiderada, quando inviável, porque não poderia ser “reduzida” ao seu valor fidedigno a fim de viabilização do Acordo?

 

 Mas o leitor poderia estar se indagando: “e quanto ao valor restante?” Bem, caberia à Fazenda (estadual ou federal) – órgão nascido e talhado para tal mister – através dos seus órgãos, e pelos meios próprios, executá-lo. Até mesmo porque, dentre as missões constitucionais do Ministério Público, não encontramos qualquer uma minimamente relacionada à arrecadação ou cobrança de tributos – não devendo ser essa uma preocupação funcional sua.

 

Em suma, e respondendo à pergunta-título, o ANPP pode e deve servir à defesa dos interesses do contribuinte-investigado, principalmente quando o risco de condenação em um processo criminal se afigure significativo, mas, também, quando o valor pactuado pela reparação do dano seja lídimo e suportável por ele.

 

*Marcos Souza Filho é advogado criminalista, professor, especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito, pós-graduando em Direito Penal Econômico pela PUC/MG e autor de diversos artigos jurídicos.

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