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Vacinação de doenças �??perigosas e evitáveis�?? despenca, e milhões de vidas ficam em risco

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edit mcmgo abr20180818 1351

Durante a pandemia da Covid-19, as vacinas ocuparam o centro do debate público. Efetividade, número de doses e até mesmo os laboratórios desenvolvedores foram pautas entre os brasileiros durante o período de imunização. Porém, com a volta das atividades presenciais e o retorno da vida a um certo grau de normalidade, a vacinação do país para doenças que já possuem imunização continua a despencar. Doenças como tuberculose, sarampo, caxumba, rubéola e a paralisia infantil �?? algumas delas erradicadas anteriormente �??podem voltar a acometer os mais jovens em decorrência da queda vertiginosa nos índices de vacinação, já que os níveis de aplicação das vacinas encontram-se nos patamares mais baixos dos últimos 30 anos. A equipe de reportagem da Jovem Pan buscou dados sobre o nível das imunizações e conversou com especialistas para entender o tamanho do impacto que a escolha em não imunizar a população mais jovem pode ter no futuro brasileiro a médio e longo prazo.

Brasil como referência e queda nos índices

Em 2016, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) premiou o Brasil com o certificado de país com o território livre do sarampo já que, naquele momento, o país registrou casos extremam

ente isolados da doença. No ano seguinte, o índice de diagnósticos positivos para o sarampo disparou e, até 2021, foram contabilizados mais de 40 mil doentes pelo vírus dos quais 40 deles faleceram. Em 2019, a Opas retirou o certificado. De acordo com informações da plataforma DataSus, a vacina BCG �?? que previne a tuberculose �?? oscilava entre 98% e 100% da cobertura vacinal no país entre os anos de 2011 e 2018. Porém, a partir do ano seguinte, houve uma queda acentuada e o nível caiu para 87% da população imunizada. Em 2020, nova queda e 74% da população vacinou os jovens. No último ano, em 2021, a tendência de queda se manteve e apenas 68% da população elegível tomou a vacina.

O mínimo recomendado é de 90% da faixa etária completamente imunizada. A imunização contra o rotavírus �?? que evita a diarreia grave em crianças �?? oscilou entre 85% a 95% da cobertura vacinal entre 2011 e 2019. Em 2021, o índice atingiu os 70%. Já a tríplice viral �?? que previne o sarampo, a caxumba e a rubéola �?? variou de 86% a 100% no mesmo período. No último ano, apenas 73% da faixa etária elegível se imunizou. A imunização contra a paralisia infantil esteve entre 84% e 100% e, em 2021, somente 69% da cobertura vacinal tomou o imunizante. No último ano, pouco mais de 60% do público infantil foi vacinado contra a hepatite B, a coqueluche, o tétano e a difteria. O mínimo recomendado para que a imunização coletiva seja atingida, para estas doenças, varia de 90% a 95%.

Possíveis consequências

Para Ana Paula Burian, pediatra infectologista e membro do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL), �??as vacinas são vítimas do próprio sucesso�?�. Segundo a especialista, outras gerações acompanharam pessoas que foram acometidas por doenças que hoje estão erradicadas. Isso ampliou o grau de importância para a vacinação. �??Você pode não ter visto um caso de poliomielite, mas os seus pais já viram e eles tinham tanto medo de você ter polio que levavam os filhos para se vacinar em todas as campanhas. Esse medo, a juventude não vai ter para vacinar os filhos. E nem os médicos novos têm [esse medo], porque não viram [casos de poliomielite]. Eu vi muita morte por meningite, por tétano, por tuberculose, vi muita doença que hoje não se vê com frequência�?�, alertou.

Um dos possíveis efeitos do baixo nível de aplicação das vacinas, no caso da tuberculose, será um aumento no número de infecções pulmonares e uma maior facilidade de generalização da doença devido a falta de anticorpos. Caxumba e meningite, em casos graves, podem levar a quadros de surdez. Já o sarampo retarda o crescimento e diminui a capacidade cognitiva do cérebro causando inflamações na massa encefálica. Difteria acomete os rins e pode levar o par de órgãos à falência. Coqueluche desenvolve lesões cerebrais com sequelas vitalícias.

�??Pacientes já me perguntaram: Vacino meu filho pequeno contra a Covid-19? Muitas pessoas relatam ter esquecimento após contrair o coronavírus. Imagina isso em uma criança de cinco a sete anos de idade que está na fase de alfabetização. Como os pais e professores vão conseguir mensurar uma falta de memória? Imagine o impacto disso na vida futura de uma criança que, no processo de alfabetização, não consegue aprender e ninguém consegue perceber que talvez seja pela Covid. Os impactos se estendem para a áreas educacional e social. Não adianta pensarmos na saúde como um único ponto exclusivo�?�, conclui a especialista.

Caso uma gestante contraia rubéola durante a gravidez, o bebê corre um elevado risco de nascer com deformações cardíacas, catarata ou glaucoma, além do risco de aborto. No caso da paralisia infantil, o vírus pode atingir o sistema nervoso da criança e imobilizar os membros superiores ou inferiores do jovem �?? braços e pernas. Segundo a doutora, é preciso quebrar algumas crenças referente às doenças imunizáveis. �??Esse ano tivemos 12 casos no Espírito Santo de janeiro a maio, sendo nove em adultos com cinco óbitos. Polio, que pensam também que é uma doença de criança, o antigo presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, foi acometido pela doença, com consequência se imobilização de suas pernas, aos 31 anos de idade�?�, explicou.

A especialista ressalta que a prevenção tem um impacto orçamentário menor que o tratamento das doenças previsíveis, já que é �??muito mais barato o investimento em vacinas ou um exame para diagnóstico precoce do que tratar um paciente doente�?�. �??O PNI surgiu em 1973, ou seja, passou por ditadura e governos de direita, centro e esquerda�?�, diz a especialista, que pediu um Programa Nacional de Imunizações (PNI) �??empoderado�?� e �??independente�?� como costumava ser.

O que explica a baixa vacinação?

De acordo com a pediatra e infectologista, o governo nos últimos anos passou a diminuir o incentivo à população para se vacinar. Nos números do orçamento público, é possível comprovar que o desincentivo parte da diminuição de verbas para propaganda de imunização. �??Antigamente passavam carros nas ruas, havia propaganda no intervalo de grandes jornais, de novelas convocando para campanhas de vacinação e hoje isso não acontece. A gente tinha dois ou três canais de televisão. Hoje em dia temos um milhão de outras oportunidades de chegar até as pessoas ou perdê-las�?�, conclui. Segundo dados coletados do Ministério da Saúde pela agência Repórter Brasil, via Lei de Acesso à Informação, houve uma diminuição de 66% no repasse para publicidade de campanhas de vacinação entre os anos de 2017 e 2021. Em reais, a queda no investimento para estimular a imunização foi de R$ 97 milhões para R$ 33 milhões.

Preocupação global

Baseado nas informações divulgadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), vinculado ao Ministério da Saúde, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) realizou um alerta público em seu site no último mês de abril. A oficial de Saúde da instituição em solo brasileiro, Stephanie Amaral, alertou que 3 em cada 10 crianças no país não receberam vacinas que podem salvá-las de eventuais mortes no futuro. �??No Brasil, a vacinação de rotina para crianças menores de 5 anos vinha sofrendo quedas desde 2015. Para reverter esse cenário, é fundamental fortalecer os programas de imunização e os sistemas de saúde, e incentivar famílias a vacinar as crianças. Na pr
imeira infância, crianças recebem imunização contra, pelo menos, 17 doenças. O declínio nas taxas de vacinação coloca milhões de crianças e adolescentes em risco de doenças perigosas, e evitáveis�?�, pontuou.

O Ministério da Saúde foi questionado pela equipe de reportagem da Jovem Pan sobre as causas do baixo nível de vacinação no país, quais políticas públicas foram elaboradas para o retorno da imunização em níveis satisfatórios e se há um planejamento para lidar com os futuros impactos estruturais e orçamentários no sistema de saúde nacional, mas não houve resposta até a publicação desta matéria.

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