Medo e luta para sobreviver: as histórias de quem vive no Viaduto do Politeama

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Com dezenas de barracas, fogão improvisado e torneira instalada para encher baldes de banho, o Viaduto São Raimundo �?? mais conhecido como Viaduto do Politeama �??, que já é famoso por servir de abrigo para pessoas em situação de rua da região, chama a atenção pela quantidade de estruturas instaladas no local. De caixas para guardar roupas e panos amontoados, que servem de cama, até baldes cheios de terra para plantas, o espaço reúne uma quantidade de itens que passa a impressão de que mais gente vive por lá agora.

Mas, segundo Andreia Tomaz, de 49 anos, é só impressão mesmo. Ela, que vive no local desde 2016, diz que o viaduto já esteve mais cheio e que apenas 20 pessoas usavam a área do bairro do Politeama, em Salvador, como moradia. �??Desde que eu estou na rua, fico aqui nesse viaduto com meus filhos. De um tempo para cá, diminuiu a quantidade de pessoas aqui, tinha muito mais gente. […] Tem mais coisa que fomos improvisando para comer e beber, aí parece que está mais cheio�?�, conta ela, que trabalhava com vendas de salgados antes de ir para a rua.

Andreia é mãe de cinco filhos, três meninas e dois meninos. Yasmin, de 15, Micaele, 7, e Valentina, 1, vivem com ela nas margens do trecho da Rua Direta da Piedade, que passa embaixo do viaduto. Já os outros dois filhos estão na casa da irmã. Ela passou a viver na rua após sua mãe morrer e seus irmãos a colocarem para fora. �??Eles são usuários e se apossaram da casa. Desde então, nem tive coragem de voltar e vivo aqui�?�, diz.

Residência improvisada

Quando morava com a mãe, Andreia vivia dos doces e salgados que fazia para vender. Nas ruas, perdeu o material de confeitaria após um antigo companheiro vender para comprar drogas. Hoje, o único contato que tem com a cozinha é na rua, no fogão de pedras improvisado no viaduto. �??Compro um álcool, cato uns caixotes para fazer fogo e cozinho o que eu ou Yasmin conseguirmos pedindo nas portas de mercados. A gente junta tudo que é possível para fazer uma sopa, mas nem sempre dá. Por falta de ingrediente, de doação ou alguma outra coisa, não são poucos os dias que ficamos com fome�?�, afirma. 

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Andreia usa fogão improvisado na rua (Foto: Marina Silva/CORREIO)

De umas semanas para cá, nem quando ganha uma doação Andreia consegue cozinhar. �? que, enquanto ela estava dormindo, alguém furtou as panelas que usava e, agora, só pode alimentar as meninas com alimentos prontos como biscoito, por exemplo. �??Aqui, infelizmente, é cada um por si. Se você vacila, tiram tudo, levam embora. Inclusive, as panelas que a gente cozinha. E o mais complicado é que a missão mais difícil é conseguir nos alimentar. Com isso, agora está quase impossível�?�, fala. 

Além dos problemas para conseguir alimento, Andreia precisa resistir também aos repetidos casos de violência que sofreu ao longo do tempo que está nas ruas. Ela conta que já foi atingida por tiro, agredida com facas e, em outra oportunidade, com socos. �??Já tomei facada, tiro e porrada aqui. No tiro, foi porque tentei defender meu filho, que não está mais aqui, e o cara atirou no meu peito. Quem me deu a facada foi meu próprio pai, quando tentou abusar da minha filha e eu fui pra cima dele. Já os socos sempre acontecem quando me defendo de roubo ou qualquer outra situação�?�, relembra Andreia.

Impacto na região
A violência que acomete Andreia e outras pessoas em situação de rua que ficam por ali também preocupa as pessoas que moram em residências de ruas próximas ao viaduto. Uma moradora, que prefere não se identificar, diz não passar por lá sozinha. �??Eu tenho receio de passar ali porque a gente ouve falar de muitos roubos e episódios de violência na área em que as pessoas dormem. Sei que pode até que não seja ninguém dali praticando essas coisas, mas mesmo assim me previno passando apenas com familiares ou vizinhos. Quando estou sozinha, não arrisco�?�, conta a moradora. 

O estudante Tiago Paiva, 24, afirma que o viaduto serve de abrigo para a população de rua há, pelo menos, uma década e o lugar esvazia e enche entre as diversas ações dos órgãos de fiscalização promovidas na área ao longo dos anos. Sobre a sensação de insegurança, ele admite que a via causa receio. �??Pessoalmente, nunca tive problemas com o pessoal, especialmente por ser morador do Politeama. Porém, não dá pra negar que rola uma tremenda preocupação ao passar pelo viaduto, especialmente por conta dos inúmeros relatos de roubos, furtos e casos de violência ocorridos�?�, diz Tiago, que mora na região desde quando criança.

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Moradores têm receio de passar no viaduto (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Um comerciante que trabalha na área também compartilha do medo que os moradores citam e se preocupa com o esvaziamento da área por conta da presença da população de rua. �??Não é como se ali tivesse tiroteio todo dia, mas onde tem pessoas que moram na rua há um receio e muitos clientes deixam de passar por aqui pensando nisso. Acho que é preciso ações para deixar lugares onde essas pessoas ficam mais seguros. Ainda mais agora que parece que as ruas se encheram�?�, diz ele, que pediu para ter a identidade preservada. 

Aumento da população de rua

A Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre) de Salvador não tem um censo para quantificar as pessoas em situação de rua na capital baiana, mas relata que a cidade tem 249 mil pessoas em situação de extrema pobreza e outra 39 mil que se enquadram na situação de pobreza. No ano de 2017, um levantamento do Projeto Axé, da UFBA e do Movimento Nacional da População de Rua estimou a existência de  14 a 17 mil pessoas em situação de rua na capital. 

De lá para cá, não houve uma atualização concreta do dado. Porém, para quem trabalha em contato diário com pessoas em situação de rua, é nítido que houve um aumento do número de pessoas nestas condições em Salvador, principalmente, durante a pandemia. Pelo menos, é o que fala Lucas Gonçalves, presidente do projeto Salvador Invisível. 

“Não há como quantificar, mas vemos com muita clareza esse aumento em cada ponto da cidade. […] Quando a gente ia antes da pandemia no Largo de Roma, a gente via 20 pessoas. Hoje, são 50 pessoas em situação de rua. Na Djalma Dutra, passou de 10 para 30. Visualmente falando, aumentou a população de rua, o número de trabalhadores informais e também de pedintes no ônibus. Quem está na rua diariamente, percebe”, garante.

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População de rua aumentou visualmente (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Lucas ressalta ainda a importância de um censo que quantifique quantas são as pessoas em situação de rua na cidade para que políticas públicas para esse público sejam viabilizadas. “Não existe lutar por direito se a pessoa não existir, é necessário dar visibilidade. E isso não é possível sem o censo. Não dá para criar políticas públicas para a população de rua sem saber que elas existem e qual é o número total”, completa.

Quem pode ajudar?

Segundo informações da Secretaria de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre),  a população em situação de rua, que aceita os serviços ofertados, de acordo com o perfil apresentado (homem, mulher, mulher com filhos, casal, casal com filhos, idoso), é encaminhada para uma das 1.100 vagas, disponibilizadas nas 17 unidades de acolhimento institucional da gestão municipal.

A Sempre realiza também a inscrição dos acolhidos em projetos e benefícios, como o Cadastro �?nico para Programas Sociais do Governo Federal, Auxílio Moradia, oferta auxílio passagem no caso de migrantes e encaminha para retirada de documentação oficial, a exemplo da carteira de identidade. Os que são assistidos passam pelo acompanhamento de equipes dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) do território onde residem.

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo

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